quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Definições de T.D. (texto muito bom, leiam principalmente as mulheres)

 Também denominado fibromatose agressiva ou fibromatose músculo-aponeurótica, é neoplasia originária do tecido conjuntivo das aponeuroses músculo-esqueléticas. 
Freqüentemente confundida com sarcomas de baixo grau de malignidade, sua denominação 
deriva-se do grego (desmos) pela distribuição tecidual em faixa (estoriforme) que mimetiza os tecidos encontrados nos tendões. 
Caracteriza-se do ponto de vista evolutivo por não possuir potencial metastático, ter exuberante capacidade de crescimento local com acentuada tendência à invasão de tecidos ou órgãos contíguos, altos índices de recidiva e, curiosamente, pela possibilidade de cura espontânea.
São tumores raramente descritos, com incidência estimada de 0,2 a 4,3 por 100.000 habitantes. Acometem com maior freqüência portadores de PAF e, em especial, os doentes com síndrome de Gardner, nos quais se desenvolvem em até 20% dos casos. Caldwell, em 1976, estudando 50.316 espécimes cirúrgicos ressecados, refere que somente pôde observar 17 casos de TD. 
Entre nós, referem que até 1986 haviam sido publicados 14 casos de TD, tendo acrescentado mais 19 casos em pacientes atendidos no Hospital das Clínicas da FMUSP em período de sete anos. O surgimento da forma esporádica da neoplasia (não associada a PAF) é evento de extrema raridade, com incidência anual estimada entre dois a cinco casos por milhão de habitantes.
De maneira geral os TD acometem preferencialmente o sexo feminino, contudo, quando se analisa sua incidência nas diferentes faixas etárias, verifica-se que ela é significantemente maior durante a fase fértil da mulher, entre a segunda e a terceira décadas, estudando a velocidade de crescimento do tumor em relação ao sexo e à faixa etária em 86 doentes, verificaram que em homens, independente da idade, e nas mulheres, antes da menarca, a velocidade de crescimento do tumor é baixa. Todavia, nas mulheres em idade reprodutiva a velocidade de crescimento do tumor dobra, decaindo rapidamente após a menopausa.
A gravidez também aumenta significativamente o aparecimento dos TD. Speranzini et al. verificaram que das 14 pacientes estudadas apenas uma não possuía antecedente de gestação. Na maioria das vezes o TD surge durante ou após a segunda gestação (30 a 59% dos casos), aumentando de tamanho principalmente no último trimestre gestacional, à semelhança da doente do presente relato. 
Com menor freqüência pode surgir no puerpério e, quando isso acontece, geralmente é diagnosticado nos três primeiros anos de seguimento pós-parto.
Estes achados sugerem que os hormônios sexuais femininos, particularmente os estrógenos, possam desempenhar papel importante no crescimento deste tipo de fibromatose.
Quanto à localização, podem ser divididos em extra-abdominais, abdominais e intra-abdominais, apresentando variações na sua localização segundo o sexo e a faixa etária. Nas mulheres antes da menarca e nos homens, os TD geralmente são extra-abdominais, ao passo que nas mulheres em idade reprodutiva possuem marcante predisposição pela parede abdominal. Nos tumores de localização abdominal, a parede anterior, e em particular o músculo reto abdominal, é a região mais freqüentemente atingida. Com relação ao tamanho pode ter dimensões variadas, desde poucos centímetros até tumores de grandes proporções que se estendem para a parede do tórax, podendo invadir órgãos das cavidades abdominal e torácica.
No passado, diversas teorias foram propostas para explicar a etiopatogenia dos TD e entre elas merecem destaque a teoria traumática e a endócrina. Na traumática supõe-se que o traumatismo muscular provocado pela distensão da musculatura abdominal decorrente da gravidez, pelo esforço muscular durante o trabalho de parto ou ainda pela incisão cirúrgica levaria à ruptura de fibras musculares. A reação inflamatória necessária para a reparação tecidual se faria de modo desproporcional ao trauma, originando o tumor. O surgimento de TD intra-abdominais em cerca de 20% dos doentes submetidos a ressecções do cólon para o tratamento cirúrgico da PAF é evidência irrefutável do papel exercido pelo traumatismo tecidual como fator desencadeante da neoplasia.
Na doente do presente relato não existiam antecedentes de traumatismos abdominais pregressos no local de desenvolvimento do tumor. 
Sua última gravidez ocorreu quatro anos antes, por cesariana, sem que houvesse desenvolvimento de qualquer anormalidade na incisão cirúrgica. Quando do surgimento do tumor encontrava-se na 17ª semana de gestação, período este em que não havia distensão significativa da parede abdominal que pudesse provocar ruptura de fibras musculares. A cicatrização da ferida operatória se fez de modo normal, tendo o TD surgido em região bem distante da incisão cirúrgica. 
Tais fatos dificultam a hipótese de que o traumatismo isolado pudesse ser imputado como único fator causal.
A maior ocorrência de TD durante a gestação e no período pós-parto, em mulheres em idade reprodutiva, bem como a raridade da neoplasia antes da menarca e após a menopausa fez com que alguns autores sugerissem que o aparecimento do TD poderia estar relacionado à influência tecidual dos hormônios sexuais femininos.
A contagem de receptores estrogênicos no tecido neoplásico obtido de mulheres portadoras de TD é significativamente maior quando comparada ao tecido normal, verificando-se ainda a maior presença de receptores estrogênicos quando comparado aos progestagênicos. O papel dos estrógenos no desenvolvimento deste tipo de neoplasia fica corroborado pelas evidências de que mulheres com TD abdominais geralmente possuem, ao longo da vida, maior dominância hormonal estrogênica do que progestagênica. Tais evidências sugerem forte relação entre os níveis de estrógenos e o desenvolvimento dos TD.
Estudos recentes em doentes portadores de síndrome de Gardner demonstraram a existência de mutações genéticas específicas associadas a maior possibilidade de desenvolvimento dos TD. Existem evidências de que o surgimento da forma isolada da neoplasia (não associado a PAF) também possa estar relacionado a alterações genéticas semelhantes.
Na PAF mutações do códon 1444 do gene APC localizado no braço longo do cromossomo cinco em seu exon 15 formam uma proteína APC anômala que teria papel importante no desenvolvimento da doença. Dependendo do códon genético onde a mutação ocorre, a expressão fenotípica da doença teria maior ou menor predisposição ao desenvolvimento dos TD. A presença de deformidades ósseas (exostoses e cistos) em doentes portadores de TD não associados a PAF também reforça esta possibilidade.
Tais observações sugerem que possa existir alteração genética prévia nas enfermas que desenvolvem os TD durante ou após a gestação e que fatores como trauma tecidual ou níveis estrogênicos contribuiriam, de forma significante, para o desenvolvimento e crescimento do tumor. Infelizmente, por tratar-se de metodologia restrita a poucos centros, não foi possível realizar o estudo genético no caso descrito no presente relato.
A radiografia simples do abdome é de pouca valia nos TD da parede abdominal, pelas dificuldades em definir precisamente a localização do tumor e o envolvimento de tecidos ou órgãos próximos. A ultra-sonografia do abdome possui melhor acuidade diagnóstica, porém quando comparada à tomografia computadorizada e ressonância magnética apresenta menor precisão na avaliação do comprometimento de tecidos e órgãos vizinhos. Na doente do presente relato a tomografia computadorizada não só permitiu a correta localização do tumor como excluiu o comprometimento de órgãos intra-abdominais.
O exame histopatológico estabelece o diagnóstico definitivo.
 A biópsia percutânea deve ser evitada pela possibilidade, em caso de sarcomas, de disseminar o tumor no trajeto da punção, optando-se, sempre que possível, pela biópsia cirúrgica com remoção completa da lesão respeitando margens de pelo menos dois centímetros.
 O exame macroscópico geralmente demonstra tumor de consistência firme, desprovido de cápsula, com abundante neoformação vascular na superfície externa. A superfície de corte apresenta características semelhantes às externas, podendo existir áreas de aspecto gelatinoso principalmente no centro do tumor. A microscopia mostra que a neoplasia é constituída de células fusiformes, com pequenos núcleos em fuso distribuídos longitudinal e transversalmente, com raras figuras de mitose, imersas em abundante substância amorfa rica em colágeno. Observa-se maior população celular nas zonas periféricas do tumor, enquanto a região central é preenchida por maior quantidade de colágeno. A presença de fibras musculares comprimidas e células gigantes é achado comum nas zonas mais periféricas da neoplasia.
O tratamento de escolha para os TD é a extirpação cirúrgica, que deve ser praticada com amplas margens de segurança. O emprego de biópsia de congelação das bordas ressecadas para confirmar a remoção completa da neoplasia pode ser empregada.
 Nos tumores de maiores dimensões que necessitem remoção de grande segmento da parede abdominal, à semelhança da doente do presente relato, as próteses cirúrgicas (tela de márlex, polipropileno ou PTFE) podem ser utilizadas.
 Nos tumores irressecáveis ou naqueles em que a remoção cirúrgica demonstrar margens comprometidas, a radioterapia pode ser empregada com objetivo de diminuir os altos índices de recidiva.
Drogas antiestrogênicas (tamoxifeno) e antineoplásicas (doxorrubicina, vincristina), imunossupressores (ciclosporina), corticóides (prednisona) e antiinflamatórios não hormonais (indometacina, sulindac) vêm sendo utilizados no tratamento medicamentoso dos TD, com resultados promissores.
 Recentemente tivemos a oportunidade de utilizar o sulindac em doente portadora de síndrome de Gardner que desenvolveu extenso TD de parede abdominal após colectomia total, em que houve remissão completa do tumor um ano após o início do tratamento.
 Devido aos altos índices de recidiva após a ressecção cirúrgica, que chegam a ocorrer em 45% dos casos, optou-se, na doente do presente relato, pelo uso do sulindac de maneira preventiva. Após um ano de terapia contínua não houve evidências clínicas ou tomográficas de recidiva da doença, confirmando a validade do uso da droga não só no tratamento do TD, como também na prevenção das recidivas.
Apesar da raridade da doença, o obstetra deve estar atento à possibilidade de ocorrência do TD durante o período gestacional, recomendando, o mais rapidamente possível, a terapia cirúrgica e medicamentosa adequada, evitando com isso o comprometimento visceral e a necessidade de operações extensas com inevitáveis seqüelas estéticas e funcionais.

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